FERNANDO HENRIQUE SCHWANKE

Engenheiro Florestal

DOMINGO, 19 DE MAIO DE 2002
José Lutzenberger

 

MEU AMIGO LUTZENBERGER

 

                            Era o ano de 1996. O então Prefeito de Santa Cruz do Sul, Edmar Hermany resolveu contratar a assessoria do Professor José Lutzenberger, para auxiliar e ensinar um modo diferente de tratar as árvores de Santa Cruz, que ano após ano sofriam com podas drásticas. A Promotoria Pública pressionava para que algo acontecesse, e realmente aconteceu! Fui chamado ao gabinete do Prefeito, e ao entrar, deparei-me com aquele Senhor, já com seus 69 anos, pronto para trabalhar. Era o Professor José Lutzenberger, que até aquele momento era para mim uma figura conhecida apenas dos meios de comunicação, por tudo o que já tinha contribuído para o ambiente do País e do Mundo. Pensei comigo: “É o Lutzenberger!”. Era uma honra para mim conhecer aquela figura renomada, que até Ministro havia sido, até um prêmio Nobel havia recebido. Eu, um Engenheiro Florestal da Prefeitura de Santa Cruz teria a oportunidade de trabalhar com José Lutzenberger. Ele estava pronto para começar, e assim o fez, orientando os funcionários que lidavam com a poda e faziam da decepa sua técnica, a ter contato com algo que se chamava dendrocirurgia, uma tecnologia de poda amena, que respeitava a natureza das plantas, e a cada demonstração, notava-se nos gestos do professor o imenso respeito e amor que tinha pela natureza. Todas semanas, durante um dia, daquele ano de 1996 acompanhei o Professor em Santa Cruz. Nos almoços do Centenário, tive a oportunidade de conhece-lo melhor e muito aprender. Sua preocupação com a preservação das colônias e sua cultura era algo latente. Levei-o certa vez a conhecer o Horto Atacado, onde um grupo de agricultores comercializava seus produtos diretamente a supermercados, e ele empolgou-se com aquilo que viu. E muitas vezes me disse: “Fernando, temos que fazer algo para salvar a cultura camponesa”. Apesar de conhecer o mundo, não tinha absolutamente nenhum resguardo de seu conhecimento, e o repassava. Levei-o a conhecer as pedreiras abandonadas em Santa Cruz, e ele perplexo com suas belezas, enxergava o que outros não enxergavam. Assim que botava os olhos naquelas áreas degradadas, enxergava parques, pessoas, água, flores e plantas. Era um visionário. Um profeta da natureza, e disse a 30 anos atrás coisas que hoje comprovam-se como fatos. Preocupava-se com o mundo. O que hoje prega-se como um novo desenvolvimento, o desenvolvimento local integrado e sustentável, composto pelos capitais natural, humano, social, cultural e financeiro é o que Lutzenberger pregou sempre. Hoje está mais do que provado que o crescimento econômico não é sinônimo de desenvolvimento. Se assim o fosse, o Brasil não seria a décima economia do mundo (PIB) e em termos de IDH – Índice de Desenvolvimento Humano o sexagéssimo sexto. O ano de 1996 acabou e com ele também a assessoria do Professor Lutzenberger a Prefeitura de Santa Cruz. Também mudei de trabalho e fui ser Secretário da Agricultura em Rio Pardo. Quando podia, ia até o Rincão Gaia para conversar com o Lutz, apelido carinhoso que o Professor tinha. Foram muitas visitas, horas de conversas em uma amizade muito forte aflorou entre nós. A cada encontro, minha admiração por aquele ancião aumentava. Seu pensamento a respeito do mundo era claro e suas idéias avançadas. Era um contestador em relação ao consumismo que está acabando com o planeta e comprometendo as gerações futuras. Seu trabalho era alicerçado na garantia da sobrevivência e da sustentabilidade das espécies do nosso sistema vivo! O Rincão Gaia é um lugar lindo e mágico. Certa vez, ficamos horas no píer do lago, conversando sobre a história da imigração alemã, da proibição do idioma alemão durante a segunda guerra mundial e ele sentenciou: “Tenho a certeza absoluta que quando Getúlio Vargas assinou o decreto de proibição do idioma alemão o fez com lágrimas nos olhos!” e argumentou sobre a afirmação. Era uma enciclopédia, um poço de conhecimento e a todos meus amigos sempre que podia, afirmava que era um grande orgulho para mim ser amigo do Lutzenberger. Levei vários amigos até ele, e ele sempre os recebeu da mesma forma, cordial e afável, e já após poucos minutos iniciava a contar suas histórias e conceitos sobre a vida. Recordo uma de suas grandes alegrias, a pouco tempo. Meu telefone tocou, era o Lutz. Começamos a conversar e ele me disse: “Fernando, preciso construir um forno para produzir carvão aqui no Rincão, pois temos muita madeira de Eucalipto por aqui. Sabes quem constrói um forno deste?” Como estava trabalhando em Teutônia, descobri no interior de Brochier do Maratá um agricultor que conhecia profundamente o ofício do carvão. Após muitas tentativas consegui leva-lo ao Rincão para construir o tal forno do carvão. No domingo meu telefone tocou, era o Lutz: “Fernando, venha cá ver a maravilha que é este forno de carvão!” Estava feliz, parecia uma criança ao redor do forno, tentando achar a explicação física para o funcionamento do mesmo. Era algo bonito de se ver e senti-me feliz também. Acabou por construir o segundo forno. Quando formatamos a idéia do Centro de Desenvolvimento do Jovem Rural – CEDEJOR, conversei com ele sobre a idéia, e a pergunta era sempre a mesma: Onde podemos ajudar? Em dezembro, quando realizamos o encontro dos 125 jovens do CEDEJOR, trouxemos o professor Lutzenberger para palestrar para a meninada, e debaixo de ingazeiros ele destilou toda sua sabedoria a uma platéia ansiosa por ecutar-lhe. Foi um privilégio para aqueles jovens, para todos nós. Uma semana antes de morrer, ligou-me para conversar. Conversamos bastante e perguntei-lhe sobre sua saúde. Disse-me que a asma estava o maltratando muito e que como fazia muita força para respirar, o coração forçava demais. Como sempre, na despedida disse que iria ao Rincão visitá-lo, pois ele queria que fosse com ele conhecer uma pedreira de calcário abandonada que ganhara de presente em Pântano Grande, “pequena mas linda” e que poderíamos usar para ensinar os jovens a nadar!  Que exemplo de vida! Seus planos não acabavam. Nós seus amigos e admiradores temos a incumbência de levar adiante seu pensamento, suas idéias. Deus foi muito bondoso comigo, quando colocou em meu caminho MEU AMIGO LUTZENBERGER.

 

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