Mensagem aos formandos do
CENTRO TÉCNICO CIENTÍFICO da PUC
do Rio de Janeiro

José A. Lutzenberger.
29 de dezembro de 1981

Meus caros formandos,

Poucos dias atrás eu me encontrava no topo de uma montanha, em pleno coração do novo Estado de Rondônia. Estava ali instalada uma estação de micro-ondas, retransmissora de TV, telex, telefone. O equipamento era o mais moderno e sofisticado. Entretanto, olhando em minha volta, só via devastação. Um resto de floresta mais ou menos intata atestava a majestade do que fora aquela paisagem.

Os poderosos e seus servos, os governantes, costumam tratar com muito amor e carinho as infra-estruturas tecnológicas que lhes servem para a manutenção e ampliação de seu poder. Mas não se podia constatar nenhum amor por aquela paisagem. Não se conseguia nem sequer constatar preocupação pela sustentabilidade dos esquemas de colonização e produção que ali estavam instalados. Os métodos de trato com aquela terra eram os métodos do imediatismo, da rapina, da devastação.

Em outro momento, eu me encontrava sobre o tronco derrubado de uma castanheira. O tronco tinha mais de trinta metros. A árvore deve ter tido pelo menos quarenta metros de altura. Quando viva, ela produzia pelo menos mil quilos de alimento precioso por ano. A roça para a qual ela fora derrubada não produzirá nem quinhentos quilos de milho de qualidade inferior. Um ano após a derrubada, o solo já estava exaurido, calcinado, lixiviado. O proprietário não estava preocupado. Ele fizera a derrubada para "caracterizar posse" diante do INCRA, que só concede posse após este tipo de "benfeitoria". O negócio do dono da área estava na especulação imobiliária.

Em outro projeto de colonização, eu observava a divisão de terra. Os lotes são retângulos perfeitos de 250X2000m, alinhados paralelamente ao longo de estradas que se estendem retas, de horizonte a horizonte. A insistência na reta faz com que, em certos lugares, a estrada corte três vezes os meandros do mesmo rio. Igualmente, alguns lotes cortam várias vezes o mesmo arroio, ficando o lote dividido em partes que terão que ser ligados por ponte. Ao mesmo tempo, outros lotes nem acesso à água têm. Estradas e lotes cortam arbitrariamente encostas, falésias, baixadas, tabuleiros, banhados. Alguns pegam solo relativamente fértil, outros são de areia pura, ainda outros são aglomerados de matacões. Simplesmente foi imposto à paisagem um retículo, arbitrariamente concebido em prancheta, sem nenhuma interação com os acidentes naturais: topografia, comunidades florísticas, qualidade do solo, sistema hídrico. Uma agressão absurda, brutal, cega.

A precária fertilidade do solo e a inclemência do clima destinam estes projetos de colonização ao fracasso em poucos anos. O colono migrará, então, para outras selvas, onde será repetida a devastação: os funcionários do INCRA continuarão justificando seus empregos.

Mas estes projetos de colonização são apenas válvula de escape para evitar que se tenha que fazer justiça social nas regiões de origem das levas migratórias, onde o latifúndio, a monocultura, a agroquímica, a automatização e a industrialização selvagem marginalizam e desestruturam.

 Extasiamo-nos diante de nossas realizações técnicas, mas não damos nenhum valor aos sistemas naturais. Não conhecemos respeito, muito menos veneração, diante de maravilhas como é, p.ex., a Hylaea, a floresta tropical úmida, última grande selva do planeta, um ecossistema de incrível complexidade, harmonia e integração cibernética, mas também de extrema vulnerabilidade. Este sistema é resultado de centenas de milhões de anos de lenta e paciente evolução orgânica, uma tecnologia infinitamente superior e mais sofisticada do que tudo o que o gênio humano jamais terá condições de conceber.

A "economicidade" de nossas grandes obras costuma durar alguns anos, quando muito algumas décadas. Mas uma espécie que se apaga representa um repositório de sabedoria natural que começou há mais de três bilhões de anos, quando a Terra estava tão estéril como continuam sendo os demais planetas deste sistema solar. A espécie perdida poderia ter continuado sua evolução por muitos milhões de anos mais. Sua perda, no entanto, é absolutamente irreversível; Jamais haverá tecnologia, por sofisticada que seja, que possa fazê-la voltar. Quando desaparece uma espécie, o Universo fica mais pobre; São milhares as espécies que apagamos todos os anos...

Nossa política desenvolvimentista, nossos modelos econômicos e tecnológicos são concebidos como se a Natureza não existisse, ou apenas estorvasse, como se nós mesmos não fôssemos parte integrante dela, como se pudéssemos sobreviver a sua demolição.

Encontramo-nos diante de uma encruzilhada. Enquanto que os sistemas naturais, que sistematicamente demolimos, são sempre homeostáticos, isto é, têm equilíbrio auto-regulador e vivem de recursos eternamente reciclados, sendo, portanto, indefinidamente sustentáveis, as infra-estruturas que hoje montamos nos escombros da demolição são insustentáveis, suicidas. Elas vivem do consumo acelerado de recursos finitos, irrecuperáveis e insubstituíveis, ao mesmo tempo que elas degradam o ambiente para a vida humana. 

Se quisermos que sobreviva nossas civilização tecnológica, algo teremos que aprender com as tecnologias naturais. Nossa tecnologia terá que se tornar sustentável. Cessará a demolição.

A tarefa que espera os jovens que hoje ingressam na vida profissional é preparar-se para o difícil trabalho da necessária inversão de rumos. Precisamos de uma visão. Será a VISÃO UNITÁRIA DO MUNDO, que é a visão sistêmica do Grande Caudal da Vida como um todo, uma visão de respeito, de veneração, de integração.

Fundamental é romper as cadeias da especialização, hoje impostas pelo poder em seu próprio interesse. Ele precisa de especialistas estreitos, ignorantes fora de sua especialidade, ovelhas dóceis, incapazes para a contestação.

Subversão inteligente é ampliar o horizonte científico e cultural, é assumir e manter posições éticas, é não se deixar corromper no esquema.

Costuma-se dizer que herdamos de nossos pais o mundo em que vivemos. Mais sábio é dizer que o emprestamos de nossos filhos, netos e descendentes remotos.

Que tenham sucesso!

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