TERRAPLANAGEM EM
LOTEAMENTO RESIDENCIAL

José A. Lutzenberger
Porto Alegre, 2 de junho de 1997

O suplemento IMÓVEIS do dia 27.05.97 traz em sua primeira página a vista aérea, em cores, panorâmica de um enorme e absurdo crime ambiental, que, além de ter custado muito dinheiro, não beneficia ninguém. Os próprios autores que, orgulhosos, mostram o resultado de sua agressão, saem perdendo. Infelizmente, a alienação e insensibilidade que está na base deste tipo de estrago fortuito é comum em nosso país e em alguns dos países vizinhos. A imagem mostra um "loteamento" que pretende tornar-se residencial. O que se vê, é um imenso deserto lunar artificial, recortado em triângulos e retângulos de linhas retas. Os trabalhos de desertificação ainda estão em andamento, ainda falta destruir algumas pontinhas de verde. Nas partes prontas só sobra subsolo, saibro vermelho, estéril.

Os estragos não vão ficar nisso. A erosão vai levar centenas, se não milhares de toneladas deste material para assorear arroios e, mais adiante, o rio. Pior ainda, aqueles desavisados que ali comprarem terreno, quando estiver pronta a casa, certamente, vão querer fazer jardim, plantar flores, árvores, fazer gramado. Mas naquele chão inerte não cresce nada. Que vão fazer? Vão comprar terra preta. Logo aparecerão os furtivos ladrões de "terra de mato". Vai surgir novo estrago, igualmente vasto e grave, ecologicamente nefasto, fora e até longe do "loteamento", um estrago mais difuso, menos visível inclusive para muitos ambientalistas e, certamente, para as cegas "autoridades", que já não cumpriram sua obrigação de impedir o primeiro grande descalabro.

Sem levar em consideração se ali era lugar para permitir loteamento, temos que perguntar-nos, porque os responsáveis não enxergam que teria sido bem mais simples, mais barato, mais estético, ecologicamente menos agressivo e mais educativo planejar a ocupação em harmonia com a topografia e o ecossistema, sem violentar a primeira nem apagar o segundo. Por que não desenhar as ruas e avenidas em linhas meandrantes, acompanhando as curvas de nível? E por que não entregar a cada comprador a vegetação existente, deixando a ele a decisão de quanto vai deixar ou não. A experiência demonstra que a maioria deixa muita coisa. Temos lindos exemplos em Porto Alegre. Quando não aproveitam arbustos e árvores, aproveitam o solo fértil.

Nos pouquíssimos lugares onde a terraplenagem possa ser desejável, ela não precisa ser brutal e obliterante. Vamos descascar primeiro o meio metro de terra fértil, guardar, repor depois de terminada a modelagem. A brutalidade predominante destrói completamente o solo, misturando tudo. Nos lugares das ruas e avenidas e depois das casas, o solo retirado poderá ser levado a lugares em que seja útil ou pode ser vendido.

Por que são tão cegos nossos "técnicos"? Dos especuladores já não vamos nem falar. Por que será que tanto brasileiro tem tanta raiva do Brasil???

Tenho medo até de pensar no que vai acontecer nas áreas da GM, da Brahma, Coca Cola e outros! Será que o Britto, após presentear a GM com instalação totalmente gratuita, terá sensibilidade para, pelo menos, cobrar um mínimo de cuidados ambientais? Onde fica o IBAMA, que por um pouco de esterco de gado espalhado como adubo orgânico num pasto, interditou um grande frigorífico; a Secretaria de Agricultura que multou um proprietário que queimou e derrubou sub-bosque secundário em plantação de eucalipto e acácia? Onde fica o efeito educativo para nossas crianças? Como irão aprender a respeitar a Natureza, se por toda parte se vêem confrontadas com tanta alienação?

Os donos deste "loteamento" alegam que deixaram uma "reserva ecológica" de 16 hectares. Que bonito! Me lembra a história do arrombador no palácio que estava levando tudo, e que protestava, quando surpreendido, mas deixa eu fazer, estou deixando aquele quartinho pra vocês.

 

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