CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA?

Introdução ao livro "A Magia das Árvores"
que a Riocell distribuirá por ocasião do fim do ano de 1995

 

Sem querer, tornei-me por demais conhecido e, por isso, freqüentemente sou abordado por estranhos. Além da exclamação "Como vai a Ecologia?" (Só posso responder com um sorriso amarelo) a segunda frase mais comum que me atiram é: "Eu também trabalho pela ecologia, estou plantando árvores, só nativas!"

A prática é diferente. Existe entre nós uma incrível alienação diante da Natureza em geral e das árvores em especial, um desconhecimento diante de como elas crescem, do que elas precisam, do contexto do qual fazem parte, de como reagem a maus tratos.

Situação muito comum: Uma família da cidade compra um sítio. A paisagem ainda está bastante intacta. Ali existe um capãozinho, ou um resquício de bosque. Passam logo a "limpar o mato". Na maioria de nossas cabeças a palavra "mato" é pejorativa. A "limpeza" consiste em retirar toda vegetação arbustiva e herbácea. Muitos vão além, "limpam" também o solo, varrendo e queimando todas as folhas secas. Não fosse tão caro, muitos pavimentariam o chão. Conheço alguns exemplos concretos de clubes que deixaram apenas uma abertura circular para cada tronco. Em um bosque de beira de praia de rio observei a "melhoria" de um prefeito que, além da "limpeza", cobriu toda a terra entre os ingazeiros com meio metro de saibro. Não sei se chegou a estranhar a morte de todos eles. Nenhuma declaração de arrependimento dele até hoje se ouviu. É muito comum também em sítios, ruas, praças e jardins, caiar os troncos de branco. Acham muito lindo.

Mas é o contrário! Foi retirada toda juventude do bosque e esterilizado o resto. Como ficaria uma população humana se fossem mortas todas as crianças e bebês e os velhos esterilizados? Aliás, desastre semelhante está acontecendo em grande parte dos bosques ciliares no Pampa. Os fazendeiros, com raras exceções, não conhecem a natureza de suas fazendas. A maioria até mora na cidade, quanto maior a fazenda e mais rico o fazendeiro, mais longe ele mora. Assim, não se dão conta, e também não se importam, que o excesso de gado pernoitando dentro dos pequenos bosques tenha o mesmo efeito que aquela tolice da "limpeza". O gado come todo o rebrote, pisoteia e causa erosão nas partes inclinadas. Os bosques acabam condenados a desaparecer ou a empobrecer drasticamente em sua diversidade biológica.

E para que pintar de branco? Será para demonstrar dominação humana? Parece que muita gente não gosta de ver natureza livre, desenvolvendo-se de acordo com suas próprias leis, nunca olham com atenção um tronco de árvore. Tudo deve ser ordenado, regimentado, colocado em camisa de força. Assim, quando plantam número maior de árvores, é quase sempre em formação geométrica, como pelotão militar, medido à trena!

Uma das demonstrações mais eloqüentes de quão pouco a maioria das pessoas observa de perto e dialoga com as árvores, é a "poda" anual, uma mutilação arbitrária, violenta, que um sem número de prefeituras, especialmente em cidades pequenas - onde seria de se supor que as pessoas tivessem mais sensibilidade diante da Natureza - ainda infligem às árvores de rua e mesmo em praças. Algumas espécies, o ligustro e o cinamomo, por exemplo, também os plátanos, salsos, tipuanas e extremosas são mais perseguidas que outras, como o umbú e a paineira, cácias ou pau brasil. Ainda não consegui descobrir as regras do dogma. Mas, se as pessoas que mandam fazer estas agressões fortuitas observassem de perto o resultado, há muito tempo a prática já teria desaparecido.

É quase desconhecida entre nós, prática inteligente, comum na Europa: a poda de condução. Esta se faz com podão na árvore jovem, não com serrote, motosserra ou machado, como costumam fazer nos troncos velhos. A finalidade é conduzir o crescimento da árvore de modo a dar-lhe a forma desejada. Também é quase desconhecida a dendrocirurgia (cirurgia de árvores) na qual, quando houver necessidade de retirar galhos importantes, por interferência com fio ou parede, ou avanço demasiado sobre a rua, o corte é feito de tal maneira que a ferida possa cicatrizar. A árvore continuará com forma elegante e estará totalmente sadia, não apodrecida por dentro como estão todas as pobres vítimas das "podas" anuais em nossas ruas.

Outro comportamento que não consigo entender: quando alguém quer livrar-se de certa quantidade de entulho, simplesmente o atira junto ao tronco de uma árvore, às vezes na própria calçada, diante da própria casa. Se for um daqueles troncos incrivelmente complicados, belos e fascinantes das chamadas seringueiras, que na verdade são figueiras (Ficus) da Índia, o choque estético é horrível. A alma da pessoa que fez isso deve ser parecida. Torna-se quase impossível limpar e restaurar.

Alguns anos faz, visitei o departamento de biologia de uma de nossas universidades: no centro do prédio, um pequeno pátio com meia dúzia de árvores de certo porte, o solo completamente nu e totalmente compactado. Varriam todas as folhas secas, não distinguiam entre lixo e folhagem morta, que é a vida do solo. Não entendem que fator básico da vida vegetal é a reciclagem da matéria orgânica no solo, que é um sistema vivo, com enorme complexidade de seres: bactérias, protozoários, algas, vermes, moluscos e insetos, e alguns animais superiores. Nem notam que, em dia de chuva, a folha seca não suja o sapato, em dia seco o tapete de folhas não deixa que se levante pó.

Estamos acostumados a ver este tipo de tratamento em todas as nossas praças e jardins, mas, por parte de biólogos, em departamento universitário...?!

É com certa dor que relato estes fatos, eles são apenas parte de um quadro mais amplo. Mas, se não aprendermos a reconhecer nossos erros, como vamos corrigí-los? Se quisermos assumir nossa responsabilidade de seres humanos diante da Natureza, da qual somos apenas parte, se quisermos contribuir para que diminuam e cessem os grandes estragos, de conseqüências sempre mais irreversíveis, que a Moderna Sociedade de Consumo causa no Planeta Vivo, em Gaia, o primeiro e quiçá mais importante passo para as pessoas de vida urbana, e elas são hoje a grande maioria, poderia ser o de dar-se o tempo para observar mais intensivamente e acompanhar com continuidade o desenvolvimento das árvores de seu entorno - na rua, diante da casa ou do escritório, nos jardins, pátios e parques. Daí para uma compreensão mais profunda e significativa, espiritual, da Natureza como um todo, os passos subseqüentes serão automáticos.

Quero encerrar com uma nota otimista. Com toda a devastação florestal que tivemos e continuamos tendo em nosso Estado, temos também trabalhos florestais de desenvolvimento sustentável, que são de grande valor ecológico ao mesmo tempo que econômico.

Os florestamentos de eucalipto e outras espécies exóticas são muito atacados, inclusive por ambientalistas, às vezes com bastante razão, como quando se fazem gigantescas monoculturas contíguas e, para tal, são aniquilados ecossistemas naturais intactos. Outro desastre, este social, é quando para isso são deslocados e marginalizados habitantes da selva, índios, caboclos ou seringueiros, ou como aconteceu na Espanha, culturas camponesas de tradição milenar são apagadas. Este processo é hoje muito comum na Índia. No nordeste brasileiro estão acontecendo desatres sociais semelhantes.

Estou condenado a passar grande parte de meu tempo em aviões. Sempre observo atentamente - no Brasil, em geral, tristemente - a paisagem. A devastação que se vê é gritante! No Cerrado, na Amazônia, Mata Atlântica, Pampa e bosques ciliares, na Caatinga e no Sertão, campinas e páramos, nas restingas e nos banhados, em toda a parte: derrubadas, queimadas, gigantescas feridas de terraplenagem, erosão, drenagens.

Entretanto, quem sobrevoa hoje o centro-leste do Rio Grande do Sul, onde estão os plantios da Riocell, pode observar uma paisagem bem harmônica, um lindo e complexo mosaico de talhões de bosques cultivados para fins industriais, mas que estão entremeados em cerca de trinta por cento de natureza livre: áreas com bosques ciliares, florestas naturais de diversos tipos e extensões em planícies, encostas ou topos de morro. Pode-se ver banhados intactos, restingas e dunas igualmente prístinas, paredões, matacões e afloramentos de rocha. Está quase tudo intacto. Onde houve estragos anteriores, os ecossistemas estão em recuperação. Ali, toda a diversidade biológica está protegida do fogo, da caça e de estragos por excesso de gado. Nos afloramentos rochosos estão protegidas algumas de nossas raras plantas endêmicas, especialmente cactáceas e bromeliáceas que têm sua área de ocorrência limitada, às vezes a poucos metros quadrados, e que não ocorrem em nenhum outro lugar do mundo. Também nos preciosos bosques de restingas e paleodunas (dunas antigas reconquistadas pela vegetação), com suas velhas figueiras e cactus colunares gigantes, sobrevivem orquídeas raras, hoje perseguidas à extinção pelos "orquidiotas", como alguns extremistas entre os colecionadores de orquídeas se autodenominam. A vida silvestre está muito mais protegida que em nossos parques estatais, quase todos, infelizmente, tão mal administrados, esquecidos pela administração pública e todos vandalizados. Só nos hortos da Riocell temos mais de vinte mil hectares de reserva natural. Outras empresas estão seguindo o exemplo. Este fato é quase desconhecido do público.

A alienação diante da Natureza que acima descrevemos em relação às árvores, entre nós, é apenas um aspecto limitado da alienação geral da qual sofre a atual cultura industrial global. O fantástico e sinfônico processo da evolução orgânica, que já dura uns três bilhões de anos, que nos deu origem junto a milhões de outras espécies, foi sempre um processo equilibrado, auto-regulado, que se mantém pela reciclagem perfeita de todos os seus recursos materiais, com aproveitamento apenas de energia solar. A Sociedade Industrial Moderna faz o contrário: ela vive do consumo de recursos materiais não renováveis e de energias também não renováveis. Nesta forma ela não tem futuro. Teremos que aprender a "desfrutar", não a apenas consumir, e a trabalhar com energia solar. Todos os nossos esquemas de produção terão que tornar-se indefinidamente sustentáveis em termos de uso de materiais e respeitosos da grande diversidade dos sistemas vivos nos quais terão que enquadrar-se harmonicamente sem apagá-los.

JAL/am. 28.06.95

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