LUTZENBERGER E A RIOCELL
Armando José Farah (*)
Em
1989, a Academia de Estocolmo, Suécia, outorgou a José Lutzenberger o prêmio
"THE RIGHT LIVELIHOOD AWARD", também conhecido como prêmio Nobel
Alternativo. Foi uma consagração de nível internacional ao engenheiro agrônomo
gaúcho, cujas atividades em prol da ecologia já o haviam tornado, àquela época,
conhecido em quase todo o Brasil.
Aliás,
suas posições abertas, firmes e claras contra a poluição causada pelas indústrias
em geral, deram-lhe justa notoriedade, mas sua maior projeção ocorreu com sua
campanha - junto com a AGAPAN e outras entidades – contra a poluição da
antiga Borregaard, inaugurada em 16.03.72.
Entre
1978 e 1981 houve a grande transformação, como resultado, sem dúvidas dessa
campanha maciça e acachapante, iniciada pela AGAPAN, sob liderança de
Lutzenberger.
Em
1981, com incorporação de moderna tecnologia e pesados investimentos,
tornou-se a mais limpa fábrica de celulose, tanto no país como no exterior. E,
ainda hoje, mantém posição de destaque dentre as indústrias do gênero, no
Brasil e no exterior. Atualmente, pertence à ARACRUZ, empresa também com
reconhecida tradição em preservação ambiental.
Assim,
o reconhecimento internacional outorgado a Lutzenberger, chegou-lhe numa fase em
que a fábrica de celulose, após grandes investimentos e uma política
ambiental adequada, já havia resgatado sua imagem na comunidade da grande Porto
Alegre e também granjeara projeção internacional pelos cuidados ambientais.
Fui
testemunha e partícipe de todas essas fases e de todos os fatos que marcaram a
vida tumultuada da empresa, desde sua inauguração em 16.03.1972. Compartilhei
do esforço para esta recuperação, no tempo e no limite de minhas atribuições.
Por isso, a Diretoria me convidou para saudar Lutzenberger, no decerramento da
placa, em sua homenagem, incrustada na rocha à beira do Guaíba. Em pleno
parque natural que ele mesmo planejou e executou.
Fiz a saudação ao sabor dos sentimentos e das evocações de fatos vividos. A partir da gravação, recolhi a mensagem que merece ser divulgada, em reverência ao homem intimorato e ao pensador ousado que foi nosso estimado Lutz, falecido em 15 de maio de 2002. E também como verdade histórica que precisa ser conservada. O estilo é de discurso, mas serve para dar conveniente ênfase à homenagem.
JOSÉ
LUTZENBERGER
Cidadão
gaúcho; Cidadão brasileiro; Cidadão do mundo; Paladino do bem viver!
Escolheram-me para fazer esta saudação, por que conheço a história desta empresa e, como dizem, de certo modo ajudei a escrevê-la, ao longo de quase 20 anos de trabalho.
Com
base nestes pressupostos e com toda esta vivência, cabe-me, hoje, saudá-lo,
José Lutzenberger, como o homem que, entre nós, passa a ser símbolo da convivência
harmônica entre indústria e o ambiente natural. Como batalhador incansável
para compatibilizar o desenvolvimento econômico e a boa qualidade de vida no
planeta, você é digno de nossa admiração e de nosso respeito.
Não
desejo fazer de minhas palavras um laudatório, ainda que sincero e muito
merecido. Sei que você é avesso a este tipo de discurso. Bastam-lhe apenas a
coerência de atitudes e a simplicidade dos fatos. Para homenageá-lo, seriam,
pois, suficientes nosso encontro, neste lugar e o espetáculo artístico-musical,
que, a seguir, iremos assistir juntos. Natureza e arte constituem elementos
marcantes em sua vida. Por isso, o espetáculo musical neste ambiente natural,
criado sob sua supervisão direta, significa para você mais do que muitas
palavras de louvor.
Tenho,
porém, o dever de lembrar, nesta hora solene e festiva, o significado de seu
relacionamento com a RIOCELL, desde a época em que se denominava Indústria de
Celulose Borregaard. No momento certo, você teve a atuação certa. Na confusão
de conceitos, você teve a critica coerente. Na exploração política dos
fatos, você soube manter a reserva necessária, preservando-se de servir a fins
colaterais e espúrios.
Sua luta, Lutzenberger, tinha outro alcance e que nem todos podiam ou queriam compreender, mas que muitos desejavam aproveitar a serviço de seus objetivos próprios, mesmo que alheios à causa da ecologia.
Ao
combater a fábrica naquilo em que ela agredia o ambiente e ao homem, você foi
sempre claro, especifico e duro. No entanto, por ser coerente e sensato em sua
crítica, tornou-se possível o convívio que hoje testemunhamos entre você e
esta grande indústria.
Sim.
Você teve coerência na análise das causas e no emprego dos meios. Foi sensato
na avaliação do esforço daqueles que, como a RIOCELL, buscaram compatibilizar
o desenvolvimento industrial e a preservação da natureza.
Identificados
estes pontos, com a mesma coerência e a mesma sensatez do homem honrado e sábio,
você soube o momento de aliar-se ao esforço da RIOCELL. Talvez,
em termos cronológicos e de merecimentos, seria melhor dizer que foi a RIOCELL
que se aliou ao seu esforço e à sua causa.
Aliás,
sou testemunha desse esforço da RIOCELL e conheço sua trajetória pessoal,
Lutzenberger. Tantas vezes chamado de visionário, de doido, de folclórico, de
sonhador, você prosseguia imperturbável e resoluto. Era um apóstolo entre os
ímpios. Você foi perseverante e venceu. Venceu também, porque o melhor
adjetivo que lhe cabe é intimorato, ou seja, destemido!
Na
verdade, você sempre teve a perseverança do visionário e a coragem do
destemido. Destemor para dizer o que era preciso a quem quer que fosse e quando
necessário. Isto é um pouco do muito que podíamos dizer. As pessoas e o local
dirão o resto, na harmonia da natureza e da arte, com o concerto musical a que
iremos assistir neste lugar.
Como
diz sua mensagem - reproduzida em metal e sobre esta rocha - "O
homem precisa reaprender a olhar a natureza. É possível conviver com o
progresso e a produção em larga escala, sem sacrificar a qualidade de vida."
Para você nossa homenagem. Nosso agradecimento e nosso abraço com a energia da vida e a beleza das flores.
Guaíba, 21 de dezembro de 1990.
(*)
Advogado em Porto Alegre
e Professor Universitário
armando@farah.adv.br