Wagner Teixeira
Porto Alegre 15 de maio de 2002.

José Lutzenberger
 

 

A aurora surgiu explendorosa, oferecendo aos olhos um lindo espetáculo, matizando o horizonte com os mais perfeitos  tons que se possa imaginar, e que só mesmo o pincel do Supremo Artista consegue pintar.  Aquele era um dia especial!  Morria um homem bom, um homem que olhava com deferência para todas as coisas vivas, dono de uma sensibilidade peculiar, um homem que, muito embora não possuísse o talento para as palavras doces, demonstrava com sua contundência verbal o grande amor que sentia pelo seu semelhante e pelo planeta, um homem capaz de sensibilizar às lágrimas qualquer um que o ouvisse, com uma visão lúcida e precisa daquelas coisas que realmente importam, um homem especial!  Dizia-se ateu, entretanto, cuidava da divina criação com desvelo de pai e zelo de sacerdote.  Aquele sol radiante surgia, então, atrás da colina, como que a homenagear  alguém que dedicou os melhores anos de sua vida à luta renhida em prol da saúde do planeta, e que compreendia como poucos o milagre da vida.

          Havia comoção, muitos sentiam-se órfãos da sua presença , da sua sabedoria, da grande e verdadeira beleza que ele rescendia.  Todos aqueles que tiveram o privilégio de seguí-lo, de trilhar com ele a árdua, mas apaixonante jornada, sentiam-se sós naquela manhã radiante.  O mestre partira e seus dedicados discípulos apoiavam-se uns nos outros para, juntos, cumprirem a dolorosa tarefa de devolvê-lo à terra que ele tanto amara e os ensinara a amar.

          Prestada sua luminosa homenagem, o sol achou por bem retirar-se enquanto o grupo silente conduzia seu líder ao bosque onde ele escolhera repousar.  Vieram as nuvens e a elas seguiram-se os raios com seu brilho metálico, e os trovões comemoravam ruidosamente a chegada do guerreiro de Gaia à sua última morada.  A terra recebeu orgulhosa o corpo sem vida, como a Mãe que abre seus braços para acalentar seu bebê adormecido.  E o espírito?  Ah! Aquele sopro divino, que fizera dele o grande homem que fora, voou liberto nas asas da ventania que fazia assobiarem os eucaliptos.  A chuva forte veio então, lavar as lágrimas, molhar os corpos e regar a terra, como que a querer despertar a consciência dos presentes para a nova realidade.  Agora eram eles a empunhar a bandeira que o velho sábio hasteara tantos anos antes.  Deviam aprender a seguir sem o mestre o caminho por ele aberto com tanta determinação, coragem e paixão.  Por amor a ele, e a tudo que seu trabalho significa, deviam prestar-lhe o único tributo que ele desejaria, que é a continuidade de sua luta.  Privados de sua presença física, teriam que perceber a sutileza de sua presença no vôo plácido de uma garça sobre o espelho d’água, no germinar de uma semente, no canto de um pássaro, no desabrochar de uma flor, na alegria de um camponês que tem uma vida digna e vê seus filhos crescerem com saúde.  Como aquele humilde beija-flor, que com seu biquinho diminuto tentava aplacar o incêndio da mata, precisavam fazer cada um a sua parte e acreditar que mudanças são perfeitamente possíveis desde que se lute por elas com a paixão que o mestre os incutira.  Finalmente, no dia do reencontro, que pudessem olhar bem dentro da limpidez daqueles olhos e dizer : “ Olha Lutz, eu entendi perfeitamente o significado daquela sinfonia da qual tu tanto falavas...”.

 

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