Carta ao Prefeito de Estrela-RS sobre Paisagismo Urbano

Senhor Prefeito
Gunther Ricardo Wagner
Prefeitura Municipal de Estrela
R. Júlio de Castilhos, 380
CEP 95880-000

Porto Alegre, 22 de agosto de 1996.

Prezado Senhor Prefeito

Agradeço o convite que me foi estendido para fazer uma visita à Cidade de Estrela - visita esta que teve lugar dia 13 de agosto de 1996 - para avaliação preliminar da situação ecológica, com ênfase na Praça Central, no novo Parque Esportivo e nas árvores das vias públicas.

Após o que pude observar, vejo-me numa situação algo difícil. Gostaria de poder fazer um relato todo positivo, com apenas algumas sugestões de ação complementar. No entanto, o somatório dos estragos que são consequência de tratamentos impensados e equivocados durante várias décadas é tal que já não se pode fácil ou rapidamente restaurar e reparar. O que podemos fazer de imediato é conter a continuação e ampliação dos danos.

Para chegar a uma situação de parques, jardins e arborização sadia, viçosa e bela precisamos de uma reorientação fundamental.

Quero deixar bem claro, entretanto, que, o que se constata em Estrela não é peculiar a esta cidade. Praticamente todas as cidades brasileiras, pequenas, médias ou grandes se encontram em situação semelhante. A coisa não é melhor em nossos países vizinhos. Quero citar apenas a Redenção em Porto Alegre, o Aterro do Flamengo e o próprio Jardim Botânico no Rio, outrora famoso. Durante as últimas décadas foi mantido por empresa de limpeza pública (!). O tratamento era todo em esquema esterilizante, os solos estão degradados, muitas das mais valiosas árvores estão precocemente decrépitas. Conheço este maravilhoso jardim desde os anos quarenta.Na época era maravilhoso! Em visitas sucessivas pude observar a progressiva decadência, inclusive a perda quase total de uma das mais valiosas coleções de plantas suculentas do mundo, por descaso. Outra coleção botânica valiosa, a coleção de cactáceas do Sr. Zuckerman, famosa no mundo, foi completamente perdida no Jardim Botânico de Porto Alegre.

Até a década de quarenta, tínhamos no Brasil excelentes jardineiros e grandes jardins, particulares e públicos. De lá pra cá houve uma decadência progressiva. Hoje, a quase totalidade dos que se dizem jardineiros não passam de tosadores de grama, varredores de pátio e mutiladores de árvores. A administração pública e os proprietários de jardins particulares muito raras vezes exigem mais do que isto. Temos ótimos viveiristas, isto sim, produtores de mudas para pomares e flores para corte ou coleção, como no caso de orquídeas e cactáceas ou bromélias, especialmente em São Paulo, mas os grandes jardins, quando não sucumbiram a fúria imobiliária, ou estão em decadência, ou estão devastados. A situação dos verdes públicos, em geral, é calamitosa. Onde sobram complexos valiosos, eles assim estão, mais por negligência que por atenção. Mas, quando menos se espera, recebem atenção, na maioria das vezes uma atenção destrutiva, pois, na cabeça de muita gente, tudo o que é natural, tudo que se desenvolve livremente, sem coação humana, é tido como "mato" e "mato", no linguajar brasileiro, tem conotação pejorativa.

O mais triste é que o público não nota e os administradores mal se dão conta do que está acontecendo, ou não dão valor. A maioria das pessoas está hoje tão alienada da Natureza, que com ela já não tem nenhum contato racional ou emotivo, não a sentem, não dialogam com ela, muitas vezes a temem. A prova mais patente desta situação é o estado das árvores nas vias públicas.

É quase impossível encontrar árvores bem conduzidas, intatas, hígidas. Quase todas sofrem as consequências de muitos anos de maus tratos - as chamadas "podas". Estão com seus troncos ocos ou parcialmente apodrecidos, os galhos também em estado de decrepitude. Um madeireiro que quer obter boas tábuas para móveis ou para construção não se interessaria por elas. Onde a administração pública deixa de "podar", o público reclama, insistentemente pede "poda" ou a pratica por conta própria, fazendo mutilações muitas vezes ainda mais drásticas que as oficiais. Além dos estragos causados pelas prefeituras e pelo público, temos as violentas agressões da CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica-RS) que se acha no direito de, para proteger um cabo elétrico, por insignificante ou secundário que seja, poder praticar os mais absurdos vandalismos, tanto dentro como fora das cidades. Já ví demolirem figueiras centenárias, quando teria sido bem mais simples e mais barato desviar o fio. Os trabalhos não são entregues a pessoas qualificadas, mas a simples operários, que agem da maneira mais brutal possível - eficiente do ponta de vista deles. Não se importam sequer que os galhos que cortam, ao cair, antes de terminado o corte, rasguem lascas na parte inferior do tronco, ou eles decepam com machete ou machado, deixando dilacerada a ponta que sobra.

As prefeituras, as grandes empresas e outros donos de parques e jardins costumam achar que basta entregar a um agrônomo. Mas, infelizmente, os agrônomos brasileiros não aprendem jardinagem e no Brasil não temos escolas de jardinagem, que eu saiba. Oxalá esteja equivocado. Se alguém conhece uma, que me avise. Assim também, uma técnica tão simples e fascinante como é a "dendrocirurgia" - cirurgia de árvores - que na Europa e América do Norte chega a ser profissão respeitada (tree surgery; Baumkosmetik) entre nós é ignorada nas Escolas de Agronomia, nas Escolas de Engenharia Florestal e nas Faculdades de Biologia.

Hoje, também é comum arquitetos se arvorarem em paisagistas. Estes, com raríssimas exceções, não tem noção de biologia, ecologia nem falar. Significativo da alienação que muitos deles demonstram, é como projetam floreiras debaixo de escadas até no fundo de um corredor ou no lugar mais escuro de um saguão de entrada de edifício. Parece que nunca ouviram falar de fotossíntese. Burle Marx era uma das raras exceções, além de arquiteto, era grande botânico e tinha sensibilidade biológica.

Nas árvores de rua, a despreocupação com o solo é quase total. Em geral, se acha que encher a cova de esterco ou matéria orgânica mal decomposta na hora do plantio, resolve o problema para toda a vida da árvore. Assim elas já começam a sua vida doentes. Na maioria dos casos, as árvores têm seu solo coberto de pavimento impermeável no passeio e na rua, raras vezes lhes dão canteiro com solo aberto. Quando isto acontece o solo é pisoteado, compactado, e não se permite que se cubra de matéria orgânica. As folhas secas são tidas como lixo e religiosamente removidas. A água da chuva não tem como penetrar e não há recuperação de húmus. É de admirar-se como, apesar desta desconsideração, ainda muitas das árvores demonstram bastante viço e reagem bastante bem aos maus tratos, mas elas apanham sempre de novo. Por qualquer efeito das raízes sobre o pavimento da calçada, em vez de arrumar, levantar ou abrir a calçada, as raízes são logo ferozmente mutiladas, quando não se derruba a árvore toda. As prefeituras raras vezes punem os culpados.

Ultimamente, mesmo em cidades grandes como Porto Alegre, que tem um departamento de parques e jardins com mais de cem pessoas, além da incapacidade de tratar adequadamente as árvores adultas, está demonstrada em toda parte a inaptidão de conduzir árvores novas. Plantam mudas de espécies que atingem grande porte, do lado da rua em que corre o fio de alta tensão. Por que não limitar-se ao lado que não tem fio? Poderiam desenvolver-se livremente. É claro que poucos anos depois vêm a CEEE com seus macheteiros brutais... Em bairro da zona sul já ví plantarem paineiras (uma árvore que em quinze anos está frondosa com até 20 m de altura) debaixo de uma velha figueira que, de dentro de um jardim particular, estendia sua bela copa até o centro da rua (!), só porque, pela metragem, o lugar da muda era alí...

Não somente não se percebe sistema racional na localização das mudas, hoje, parece que não sabem mais o que é "educar", isto é, conduzir uma árvore. Ora, uma árvore isolada, em parque tipo britânico, com seus imensos gramados, acaba formando uma copa com saiote até o chão. Isto é muito lindo, mas, no passeio de uma via pública (em Londres também) as árvores devem ter tronco limpo até uma altura algo acima das cabeças dos transeuntes. Do lado da rua, a altura em que se abrem os galhos deve ser superior à altura dos ônibus e caminhões. Quer dizer que, após plantada, a muda precisa ser conduzida. Isto se faz com podão, não com serrote, machado, machete ou motoserra, enquanto os galhos forem finos, até a grossura de um lápis. Mas este tipo de trabalho não se faz uma vez e se esquece, é uma ação contínua que, conforme o caso, pode estender-se a toda a vida da árvore. Requer observação, acompanhamento, sensibilidade, amor, requer equipes bem treinadas de jardineiros motivados.

Uma atenção realmente absurda, desnecessária e feia, pois atesta alienação, mas ainda muito comum em nosssas cidades e até em propriedades rurais, é caiar de branco as árvores. Não consigo explicar-me de onde vem esta mania.

Em cima de árvores velhas costuma aparecer toda uma flora muito especial, que a maioria das pessoas classifica simplesmente de "parasitas" e, muitas vezes, passa a "limpar" as árvores, retirando-as todas. Ora, com uma única exceção, a erva-de-passarinho, estas plantas não são parasitas. Orquídeas, bromélias, Rhipsallis (cactus com ramas filiformes colgantes), peperômias, samambaias, musgos, quando vivem sobre árvores, não são parasitas, são epífitas (sobre plantas), elas não sugam seiva da árvore, vivem do húmus que se forma na casca dos galhos e troncos velhos e da poeira do ar. Além de manterem em suas raízes e às vezes sobre as próprias folhas, bactérias e fungos especiais que, em simbiose com elas, fixam nitrogênio do ar, elas sabem retirar os demais elementos de que necessitam, como, por exemplo, o fósforo, cálcio, potássio e outros, até os últimos microelementos, filtrando as sujeiras do ar. Se as pessoas fossem mais observadoras da Natureza, notariam que estas mesmas espécies também ocorrem sobre rochas. Lá são consideradas epílitas (sobre pedra). Como poderiam ser parasitas nestas condições? Quem já não observou certas bromélias, entre elas a Tyllandsia (cravo do mato), prosperar em cima de fios de telefone! A barba-de-pau, lindo enfeite de nossas velhas figueiras, também é bromeliácia do gênero Tyllandsia, ela consegue se alimentar exclusivamente do ar.

Quanto à erva de passarinho, ela é hemiparasita, quer dizer, ela é apenas parcialmente parasita. As plantas verdadeiramente parasíticas, entre elas a orobanche e a cúscuta são muito raras e desconhecidas de nosso público. Elas não têm fotossíntese, portanto não têm folhas verdes. Se a erva de passarinho tem folhagem luxuriante e bem verde é porque rouba da planta hospedeira apenas seiva bruta, não seiva elaborada como fazem as verdadeiras parasitas. Ela faz sua própria fotossíntese.

Quê fazer com ela? Depende! Em um pomar comercial, onde o alvo é o máximo de produtividade, é claro que não podemos tolerá-la. Temos que retirá-la enquanto for pequena. Entretando, um aspecto que a maioria dos agrônomos modernos desconhece ou não leva em consideração - o aparecimento e a proliferação de erva-de-passarinho sobre uma árvore é sintoma de fraqueza da mesma. Em árvore hígida, a erva não tem vez! Ela está me dizendo que cometí um ou vários erros no trato que dou às minhas plantas, principalmente no que se refere ao solo. A saúde do solo é o fator mais determinante para a sáude do vegetal.

Agora, em praças ou parques, quando a proliferação da erva-de-passarinho está muito adiantada, como em alguns dos velhos eucaliptos da Redenção, em Porto Alegre, nos velhos plátanos de Morro Reuter, prefiro deixá-la. Sua retirada total deixaria a árvore quase nua. Por que não, em parque ou praça, mostrar ao público fenômeno tão interessante? Os frutos desta planta são excelente alimento para muitos pássaros e ela é uma das mais importantes ervas medicinais, tem a ver com prevenção do câncer! Se aprendermos, em nossos parques e jardins, a dar um tratamento adequado ao solo (veja mais adiante) a erva-de-passarinho se tornará o suficientemente rara para passar a ser atração, não praga.

Gostaria de poder assessorar intensivamente a Prefeitura de Estrela e muitas outras na questão do cuidado e trato das árvores. Infelizmente, meus inúmeros e variados compromissos em cinco continentes não mais me permitem assumir novos encargos. Sugiro, portanto, a esta Prefeitura e a outras que manifestarem interesse, a entrar em contato com a Prefeitura de Santa Cruz do Sul, onde estamos treinando equipe de dendrocirurgia e reorientando parques e jardins, um trabalho recém iniciado e que se estenderá por vários anos. Poderão acompanhar aqueles trabalhos.

Praça Central

Infelizmente, quando tive oportunidade de ver esta praça, já estavam em andamento os trabalhos de reforma. Pena, teria gostado de dar-lhes orientação bem diferente!

Esta praça sofre de todos os males que já citamos acima. As velhas árvores estão decrépitas, com os estragos que sempre são a consequência de podas desnecessárias ou de falta de dendrocirurgia após estragos causados por ventanias, e todas sofrem de deficiências nutritivas, uma vez que o solo está totalmente degradado. Mas também nisto não temos situação peculiar a Estrela. Quase todas as praças, em quase todas as nossas cidades, estão em situação parecida.

Logo me chamou a atenção o solo. Em quase toda a extensão da Praça ele está morto, compactado, nú. Em parte da área se tentava manter gramado em lugar inadequado, com muita sombra, e em toda a parte as folhas secas eram varridas e o corte da grama era levado embora. Não sei se foram usados adubos químicos ou agrotóxicos. Nossos "jardineiros" não têm mais noção de húmus. Ora, folha seca não é lixo, não é a mesma coisa que embalagens plásticas, cacos de vidro, tocos de cigarro com filtro, latas, etc. Debaixo das árvores e dos arbustos ou ervas deve permitir-se o acúmulo das folhas que caem. Elas formam uma boa proteção para o solo, mantendo a umidade, evitando erosão e, a medida que se decompõem, formam húmus, alimentam a microvida e devolvem nutrientes minerais à terra.

Por quê será que é tão difícil, as pessoas entenderem este aspecto fundamental da vida dos vegetais??? Os solos da grande floresta tropical úmida da Amazônia estão entre os mais pobres do mundo, em termos de nutrientes minerais. Aquelas frondosas árvores se mantêm com a reciclagem completa e rápida dos nutrientes pelas folhas secas que caem e são logo decompostas e reabsorvidas.

Para os que gostam de varrer folha seca - em dia de chuva, pergunto - o qué é melhor, caminhar sobre fôfo tapete de folha seca ou em solo nú? A folha seca não suja o sapato!

Em gramados, é claro, folhas secas, se forem grandes, podem ser vistas, por alguns, como antiestéticas. Neste caso, se forem recolhidas, devemos levá-las a um composto e, mais tarde, devolver o terriço ao gramado. Quanto à tosa, melhor é tosar com mais frequência, para que o corte seja mais curto e deixá-lo alí mesmo. Ele será reabsorvido pelo gramado. O solo se manterá vivo e fértil. Em Brasília, se pode observar muito bem como todos os gramados, especialmente nos taludes dos trevos de tráfego, estão se degradando até morrer. Tenho observado como o produto da tosa é cuidadosamente ensacado em sacos plásticos e levado ao lixão. Por outro lado, por que insistir em gramado em taludes íngremes? Bem mais sustentáveis e belos são complexos arbustivos.

Na reestruturação da Praça, uma vez que ela é toda sombreada, devem ser abandonados os gramados. Nos canteiros, poderão ser mantidos complexos permanentes de plantas de sombra, arbustivas ou herbáceas. Alguns canteiros ou partes deles poderão ser mantidos apenas com a cobertura de folhas secas caídas das árvores. Isto teria valor educativo para o público que precisa aprender o que é o processo de humificação e mineralização da matéria orgânica num ecossistema. Deixemos também que germinem e se desenvolvam, pelo menos até o ponto em que se possa decidir se ficam ou serão transplantados, as mudas que germinam das sementes que as árvores deixam cair. Este é o processo natural de rejuvenescimento do bosque.

Infelizmente foi decidido fazer pavimento de mosaico português nos caminhos. Este tipo de pavimento, se for bem feito, é impermeável à agua da chuva. A situação das árvores, já precária, só poderá piorar. Seria preferível um pavimento de paralelepípedos ou lajes de pedra com frestas abertas, nas quais se desenvolveriam musgos. Isto dá um efeito muito belo, que será tanto mais belo quanto mais velho ficar o pavimento. Um pavimento assim contribui para a melhora do solo. Debaixo das lajes ou pedras, uma vez que haverá penetração da água da chuva e do oxigênio do ar, se desenvolve um complexo de microvida e proliferam minhocas que movimentam matéria orgânica e promovem humificação. Um pavimento impermeável, ao contrário, contribui para o ressecamento e empobrecimento do solo subjacente.

Pude constatar que no processo de retirada do velho pavimento, trabalho este feito em parte com máquinas pesadas, estas causaram alguns graves danos nos troncos de árvores e arbustos. Serão necessários trabalhos de dendrocirurgia. Outro estrago muito grave foi infligido às duas velhas grevilhas. As raízes, junto ao tronco foram brutalmente agredidas com cortes, aparentemente à machado, para ajustá-las ao novo meio-fio, em vez de ajustar este à árvore ou, o que teria sido melhor e mais educativo, interromper o meio-fio junto à árvore. Agora só resta retirar a respectiva parte do meio-fio, para expôr totalmente as grandes feridas e protegê-las com hidro-asfalto.

Durante os próximos meses e anos, terá que ser, então, observado e acompanhado o processo de cicatrização, com renovação da pintura sempre que ela se desgastar ou aparecerem fendas e rachaduras no lenho exposto. Provavelmente haverá necessidade de dendrocirurgia. Espero poder voltar a Estrela oportunamente, já em 1997, para ajudar na condução dos trabalhos.

Mais estragos foram causados pelas valetas que foram abertas para a colocação de cabos elétricos subterrâneos. Estes poderiam ser colocados em profundidade bem menor e, poderia ter havido mais respeito às raízes atingidas. Quando se deixa este tipo de trabalho a cargo, simplesmente, de operários, é claro que eles não têm condições de sequer se dar conta dos estragos que causam.

Quanto aos dois velhos cedros na entrada da Praça, na frente da Prefeitura, fui consultado se poderiam ser retirados. Ora, a Prefeitura tem autonomia para fazê-lo. No entanto, se é verdade que estas árvores estão em mau estado, como praticamente todas as árvores da Praça, seu estado poderá ser melhorado com um bom trabalho de dendrocirurgia. Pessoalmente, eu prefiro que sejam mantidas. Uma árvore velha, como uma pessoa velha, uma construção velha, é um processo histórico irreversível. Podemos derrubar em dois minutos uma árvore de cem anos. Entretanto, para que uma mudinha nova chegue a esta idade, precisamos esperar cem anos. A decisão está com a Prefeitura, ela demostrará ou não reverência diante de algo que tem história e que merece respeito e atenção. Pessoalmente, preferiria que déssemos uma chance a estas velhas criaturas. Vamos observá-las mais dois ou três anos para ver até que ponto têm capacidade de recuperação. Atenção: as estruturas de alvenaria na base destas árvores serão certamente removidas e substituídas durante o que falta fazer nos trabalhos de remodelação. Este trabalho, se quisermos evitar o tipo de estrago que foi feito nas grevilhas, terá que ser feito com muita atenção e respeito!

Espero que a Prefeitura de Estrela decida acompanhar os trabalhos que estamos iniciando em Santa Cruz e destaquem funcionários motivados para serem treinados.

Chafariz

Sendo que o chafariz no centro da Praça será também restaurado - já estava parcialmente demolido quando me foi apresentado, não sei qual a nova forma arquitetônica que lhe será dada - espero que o volume e a superfície de pequeno corpo de água sejam ampliados e que lhe seja dado um tratamento biológico e não estéril como é costume entre nós. Nas praças e jardins públicos, o chafariz e espelhos d'agua costumam ser periodicamente esvaziados para "trocar água", é retirado todo o lodo biológico que se forma no fundo, paredes e fundo são escovados e lavados - só falta regar com algum biocida para chegar a uma esterilização total... O que devemos fazer, é introduzir pelo menos uma ou duas espécies de plantas aquáticas, p.ex. a rosa d'água (Nymphaea) com suas lindas folhas semiflutuantes e flores espetaculares que, em nosso clima florescem quase todo o ano, e uma planta submersa que poderia ser a cabomba, ou Elodea, Valisneria (que forma gramado submerso) ou sagitária e outras.

O peixe mais indicado para este tipo de corpos de água pequeno seria o guarú-guarú, conhecido como barrigudinho. O cará acabaria com as plantas submersas. A pequena carpa dourada, por ser muito vistosa, possivelmente provocaria "artes" da garotada que tentaria pescá-la. Jamais introduzir carpas comuns ou Tilapias. Uma vez estabelecido este complexo vivo, é só deixar que mature e se equilibre por si mesmo. Caso algumas plantas se desenvolvam demasiado é só retirar o excesso. Este servirá de muda para outros jardins aquáticos.

Parque Esportivo

Esperavam de mim indicações mais o menos precisas sobre quais espécies de árvores plantar no Parque Esportivo. Na hora fiquei meio atônito. Não sabia o que dizer. Escolher entre espécies nativas? Pensando bem, prefiro que sejam exóticas de crescimento rápido, já que ali nada sobra de natural, tudo é artificial. Façam alamedas de plátanos, cinamomos, eucaliptos, grevilhas, pinus tahedra. Mas, por favor, aprovem na Câmara Municipal uma lei que proíbe terminantemente toda e qualquer "poda" convencional e destaquem algumas pessoas, de preferência jovens e motivadas, a quem possamos ensinar a condução de árvores novas.

Este parque foi construído a partir de um enfoque que é exatamente o contrário do que seria um enfoque ecológico. Uma preciosa área de várzea pantanosa, cuja função ecológica é amortizar cheias e servir de hábitat para grande diversidade biológica, assim como autodepuração das águas do rio, foi sumariamente enterrada debaixo de muitas dezenas de milhares de metros cúbicos de solo e subsolo, chegando-se a uma plataforma única, com todas as canchas esportivas no mesmo nível. A superfície entre as canchas está coberta de fino saibro, que não permite ver que tipo de material está por baixo. Suponho que é tudo saibro, como sucede quase sempre quando se faz terraplenagem em nosso país.

Para mim, a experiência foi tão chocante que me esquecí de pedir que me levassem ao lugar onde se fez a escavação ou demolição para obter o material de aterro. Deve haver ali uma grave e feia ferida na paisagem. Entre nós, quando se faz terraplenagem ou mineração a céu aberto, não costuma haver nenhum respeito paisagístico e ecológico. Os pesados tratores de esteira, retroescavadeiras, carregadeiras ou as máquinas conhecidas como "patrol" e as dragas não distinguem entre as diversas capas da formação geológica e edáfica. Solo e subsolo são brutalmente rasgados e misturados. Típico, é o que costuma ser feito nos assentamentos de BNH ou bairros industriais e outros. Primeiro, rebaixando ou aterrando, se prepara um deserto lunar. Depois, uma vez que em saibro nada cresce, vai se buscar terra preta. Para isso, se destrói, então, outro pedaço de natureza, roubando o solo que se precisa. Quase sempre se destrói mais um pedaço de bosque nativo. Não ocorre aos engenheiros, muito menos aos capatazes e operadores, separar primeiro o solo, guardá-lo ao lado da obra, para depois usá-lo na cobertura, seria até mais barato. Mas, do ponto de vista ecológico e paisagístico, diria, que mais de noventa porcento da terraplenagem que se faz em nosso país poderia ser evitada. O resultado estético seria bem outro e quanto petróleo, máquina e dinheiro se economizaria.

Agora, para plantar árvores naquela planície artificial e morta, teríamos que ver, primeiro, como está o substrato - se é saibro, pedregulho, argila ou solo. Hesito recomendar abrir grandes covas e trazer solo, pois não sei onde iriam obtê-lo e quais novos estragos isto significaria nos lugares de origem. Mas, com bom composto ou lodos orgânicos, poderíamos fazer solo no próprio local.

No centro do Parque sobrou um lago que, aparentemente, ainda está no nível do complexo palustre original. Não sei se tem ligação com o rio e, portanto, como se comportará nas cheias. Suas margens são íngremes, mostram a grossura do aterro que foi feito e estão parcialmente protegidas por pedras. Foi iniciado um certo ajardinamento, com gramados e arbustos nos taludes mas, foi também introduzida uma população excessiva de gansos que já iniciou trabalho sistemático de demolição deste ajardinamento. Ou se reduz o número de gansos para um ou dos casais, ou temos que aceitar taludes nús e erodidos. A água do lago ficará então mais barrenta do que já está. Não sei se foram introduzidas carpas. Estas sempre fussam o fundo e não permitem a sedimentação necessária para que a água volte a ser cristalina como é num banhado natural. Espero que também não tenham sido introduzidas tilápias. A tilápia, um cará africano, é voraz devoradora de toda forma de vegetação aquática. Ela torna impossível o crescimento e a estruturação de complexos vegetais palustres, ancorados ou flutuantes. Se quisermos dar vida a este lago - pena que tem forma tão artificial - não podemos permitir a presença destas duas espécies exóticas.

Se o lago tem ligação com o rio, automaticamente se estabelecerá uma população complexa e equilibrada de espécies nativas - lambarís, carás, jundiás, cascudos e outros, incluindo a traíra. Haverá também moluscos e crustáceos, anfíbios e répteis, sem falar nos insetos que, diretamente, ou com suas larvas, alimentarão todas estas espécies.

Neste ponto, quero aproveitar para alertar para um problema ecológico muito grave da atualidade. Como hoje a grande maioria das pessoas está completamente alienada da Natureza, não se dá conta do mortal estrago que causa a iluminação elétrica nos insetos noturnos. Estes insetos, que passam o dia escondidos em lugares escuros, quando emergem para seus vôos à noite - com exceção daqueles que nos incomodam, como os mosquitos - por uma razão até hoje não completamente elucidada pelos biólogos, se vêem atraídos pelas lâmpadas elétricas. Ali ficam voando em círculos até a exaustão e acabam caindo mortos no chão. Se sobrevivem uma noite, morrem na segunda ou terceira. Outrora, como ainda hoje se pode observar em lugares de natureza intata, sem iluminação elétrica, as espécies de insetos noturnos eram tão ou mais numerosos que os diurnos. Quem já teve oportunidade de observá-los atenta e intensivamente, não pode deixar de admirar-se diante da incrível biodiversidade de formas e funções. Entre eles se encontram muitos dos polinizadores das flores e também muitos dos inimigos naturais das pragas de nossa lavoura. Portanto, a iluminação pública em parques e jardins deveria ser minimizada, não maximizada, e deveriam ser usadas só lâmpadas amarelas que não atraem estes insetos. Hoje, na Alemanha, algumas cidades, estão se conscientizando deste problema. Lá sobra pouco para salvar. Com aquela densidade de população quase não mais existe paisagem em que um inseto noturno possa voar algumas centenas de metros sem ir a morrer em uma lâmpada. Nós ainda podemos salvar muita coisa.

Voltando ao lago no parque esportivo - um inseto cuja larva é importante na alimentação dos peixes de água doce é a chamada "mariposa", que em certas noites de fim de verão saem aos milhões em vôo nupcial. As fêmeas fecundadas, carregadas de ovos, deveriam cair no rio ou lago de onde saíram. Se morrerem debaixo de uma lâmpada e forem varridas com o lixo na manhã seguinte, sofrem os peixes também.

Fundamental, ainda, para que o lago do Parque se transforme em um pequeno ecossistema é a introdução de plantas aquáticas - as mesmas que ali existiam quando foi eliminado o "brejo brabo": plantas flutuantes como a baronesa, Pistia, Salvinia, Limnobium, Lemna e outras, assim como plantas palustres ancorada como a Heteranthera, Myriophillum, pontederia, juncos, Typha, Thalia e outras. Quanto maior a diversidade mais intensidade de vida e mais belo será o lago.

Considerações finais

Este não é propriamente um "laudo técnico", é um trabalho de conscientização. O problema não é técnico, é quase filosófico, tem a ver com nossas atitudes e visão do mundo. Por isso, não se atêm só a detalhes da situação das áreas verdes de Estrela. Estas servem de exemplo, apenas. Procuro mostrar o absurdo dos enfoques predominantes e alertar para uma visão mais ecológica.

Agradeço à Prefeitura de Estrela a oportunidade que me deu. Há anos quero escrever algo semelhante, que sirva para todas nossas prefeituras. Permito-me, portanto, entregar este relato a outras administrações municipais, a escolas e a usá-lo em nosso trabalho de conscientização ambiental com crianças e jovens na Fundação Gaia.

Gostaria que este trabalho fosse, pela Prefeitura, entregue não somente a todos os seus funcionários, mas também a todas as escolas. Precisamos alertar, fascinar e motivar às crianças de hoje. Na maioria dos casos, nas escolas quase nada recebem em termos de conscientização ecológica, ao contrário, muitos professores contribuem para aumentar a alienação.

Espero, mais adiante, encontrar o tempo para ampliá-lo e generalizá-lo. Incluiremos, então, os aspectos de saneamento com propostas alternativas, baratas e acessíveis para o destino do lixo e o tratamento de esgotos.

José A. Lutzenberger

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