Por um Existência Fluída

Abril-2006

Lara Lutzenberger

 

Aos 2/3 oceânicos, agrega-se a água que se exercita no agito dos rios e a que busca o repouso tranqüilo na doce poesia dos lagos. A água que hiberna nas calotas polares; a que vagueia pelo ar ao sabor dos ventos; a que se escapa entre os minúsculos grãos de areia e barro e aquela que se esconde no abrigo subterrâneo dos lençóis freáticos. Se agrega também, a água que pulsa em nossas artérias, a que se entorpece no submundo da química de nossos fluídos intersticiais, a que se areja em nossas vias aéreas. A que...

Pois é, a água preenche e movimenta a vida planetária no constante fluxo e refluxo de si mesma, numa capacidade ímpar de mutação – ora é rio, ora é seiva, ora é sangue, ora é pura transpiração,... Somos essencialmente aquáticos, constituídos e integralmente dependentes da versatilidade da água, apesar de nos declararmos terrestres. E a mesma água, sempre a mesma, há algum tempo foi dinossauro, nuvem, joaninha e hoje é Maria.

 

Na era da comunicação global, cabe lembrar que a água já a dominava, sem nenhum estardalhaço nem aporte tecnológico, desde quando Gaia ainda esboçava suas primeiras feições. Através de seus incessantes ciclos de evaporação, precipitação, infiltração, e na grande movimentação que se dá através dos inúmeros seres com os quais interage no dinâmico jogo da vida, a água veicula informações químicas e físicas por todos os rincões planetários. Absolutamente todos!

 

Mas apesar de sua idade avantajada, a água mantém até os dias de hoje a ingenuidade e inocência típicos de uma criança em seus primeiros meses de vida. Durante bilhões de anos isso em nada comprometeu o seu frescor e pureza, pois todas as substâncias com as quais interagia lhe eram familiares. Até que surgimos nós e passamos a lhe agregar situações e elementos novos: leitos de rios canalizados ou assoreados, margens desnudadas e um sem número de substâncias sintéticas lançadas por nossos empreendimentos produtivos ou, indiretamente, na forma de metabólitos corporais. Situações e elementos com os quais a água passou a agir como o fez durante toda sua existência, sem censura e sem pudor. E, então, paisagens depauperadas têm sido ainda mais arrasadas pelo efeito avassalador de uma enxurrada, e nutrientes são transportados de braços dados com substâncias altamente tóxicas de Porto Alegre à Sibéria, e da Sibéria à Austrália.

 

É, acho que está na hora de compreendermos que a água é nossa maior aliada. Mas, dadas às circunstâncias, faz-se urgente filtrarmos nossas ações com tal de garantirmos uma existência fluída para ela e para todos nós.

 

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